A
pandemia da covid-19 modificou de modo significativo a vida de 95% dos
profissionais da área da saúde que há mais de um ano atuam na linha de frente
do combate à doença. Quase 50% admitiram excesso de trabalho ao longo da crise
sanitária, com jornadas acima de 40 horas semanais. Os dados são da pesquisa
Condições de Trabalho dos Profissionais de Saúde no Contexto da Covid-19,
realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em todo o território nacional.
A
pesquisa mostrou que 45% precisam ter mais de um emprego para se manter e que
14% da força de trabalho que atua na linha de frente está no limite da
exaustão. Conforme a consulta, os profissionais estão esgotados, não só por
causa da proximidade com o alto número de casos e de pacientes mortos, inclusive
colegas, parentes e amigos, mas também por alterações significativas provocadas
pela pandemia em sua vida.
O
levantamento, classificado pela Fiocruz como o mais amplo sobre as condições de
trabalho dos profissionais de saúde desde o início da pandemia, analisou o
ambiente e a jornada de trabalho, o vínculo com a instituição, a vida do
profissional na pré-pandemia e as consequências do atual processo de trabalho,
envolvendo aspectos físicos, emocionais e psíquicos desses trabalhadores.
Segundo
a coordenadora do estudo, Maria Helena Machado, após um ano de caos sanitário,
a pesquisa retrata a realidade dos profissionais que estão na linha de frente,
marcados pela dor, sofrimento e tristeza, com fortes sinais de esgotamento
físico e mental. “Trabalham em ambientes de forma extenuante, sobrecarregados
para compensar o elevado absenteísmo. O medo da contaminação e da morte
iminente acompanha seu dia a dia, em gestões marcadas pelo risco de confisco da
cidadania do trabalhador, [medo de] perdas dos direitos trabalhistas,
terceirizações, desemprego, perda de renda, salários baixos, gastos extras com
compras de EPI [equipamentos de proteção individual], transporte alternativo e
alimentação."
De
acordo com a pesquisa, 43,2% dos profissionais de saúde não se sentem protegidos
ao enfrentar a covid-19. Para 23% deles, o principal motivo desse temor está
relacionado com a falta, escassez e inadequação do uso de EPIs. Entre esses
trabalhadores, 64% destacaram a necessidade de improvisar equipamentos.
O
medo generalizado de se contaminar no trabalho foi apontado por 18% dos
entrevistados; a falta de estrutura adequada para realização da atividade. por
15%; e fluxos de internação ineficientes, por 12,3%. Além disso, 11,8% citaram
o despreparo técnico dos profissionais para atuar na pandemia e 10,4%
denunciaram a insensibilidade de gestores para suas necessidades profissionais.
Os
entrevistados apontaram ainda consequências graves e prejudiciais na saúde
mental dos que trabalham na assistência aos pacientes com covid-19. As
alterações mais comuns identificadas pelos profissionais no cotidiano são
perturbação do sono (15,8%), irritabilidade/choro frequente/distúrbios em geral
(13,6%), incapacidade de relaxar/estresse (11,7%), dificuldade de concentração
ou pensamento lento (9,2%), perda de satisfação na carreira ou na
vida/tristeza/apatia (9,1%), sensação negativa do futuro/pensamento negativo,
suicida (8,3%) e alteração no apetite/alteração do peso (8,1%).
Sobre
o trabalho diário, 22,2% relataram a convivência com um trabalho extenuante,
embora 16% deles tenham indicado alteração referente a aspectos de
biossegurança e contradições na rotina profissional, a mesma proporção relatou
melhora no relacionamento entre as equipes.
Para
os entrevistados, as transformações são reflexo de vários fatores, entre os
quais, a falta de apoio institucional, relatada por 60%. Outros fatores que
também afligem os trabalhadores da saúde são a desvalorização pela própria
chefia (21%), a grande ocorrência de episódios de violência e discriminação
(30,4%) e a falta de reconhecimento por parte da população usuária, neste caso,
somente 25% se sentem mais valorizados.
Para
Maria Helena Machado, ficou claro no estudo que 40% dos profissionais sofreram
algum tipo de violência no ambiente de trabalho, uma situação que se agrava
pela discriminação na própria vizinhança (33,7%) e no trajeto do trabalho para
casa (27,6%). “Em outras palavras, as pessoas consideram que o trabalhador
transporta o vírus e, portanto, ele é um risco. Se não bastasse esse cenário
desolador, os profissionais de saúde experimentam ainda a privação do convívio
social entre colegas de trabalho, a privação da liberdade de ir e vir, o
convívio social e a privação do convívio familiar”, completou a coordenadora da
pesquisa.
A
disseminação de fake news (notícias falsas) é um verdadeiro obstáculo no
combate ao novo coronavírus, afirmam mais de 90% dos profissionais de saúde
ouvidos na pesquisa.
No
atendimento, 76% dos entrevistados relataram que o paciente tinha algum tipo de
crença referente às notícias falsas, como a adoção de medicamentos ineficazes
para prevenção e tratamento. E uma porcentagem expressiva (70%) dos trabalhadores não considera os
posicionamentos de autoridades sanitárias sobre a covid-19 "consistentes e esclarecedores”,
destacou a Fiocruz.
O
questionário elaborado pela Escola Nacional de Saúde Pública e pelo Centro de
Estudos Estratégicos da Fiocruz foi aplicado em todas as categorias
profissionais da área de saúde, incluindo médicos, enfermeiros, odontólogos,
fisioterapeutas, farmacêuticos, administradores hospitalares, engenheiros de
segurança do trabalho e sanitaristas e um expressivo número de residentes e
graduandos, em mais de 2 mil municípios.
Os
dados mostraram que a maior parte da força de trabalho é feminina (77,6%). A
maioria das equipes é formada por enfermeiros (58,8%), seguida de médicos
(22,6%), fisioterapeutas (5,7%), odontólogos (5,4%) e farmacêuticos (1,6%), com
as demais profissões correspondendo a 5,7%.
O
levantamento indicou ainda que cerca de 25% deles foram infectados pela
covid-19.
Entre
os profissionais da linha de frente, 44% têm idade entre 36 e 50 anos. Os que
têm até 35 anos são 38,4%. Quanto à cor ou raça, 57,7% declararam-se brancos,
33,9%, pardos e 6%, pretos.
De
acordo com a pesquisa, 34,5% dos profissionais trabalham em hospitais públicos,
25,7%, na atenção primária e 11,2%, na rede privada. A maior parte está
concentrada nas capitais e regiões metropolitanas (60%). (ABr)
Segunda-feira,22
de março, 2021 ás 16:50