Nos
últimos meses, empresas de diversos setores foram questionadas por autoridades
e organizações da sociedade civil a respeito da possibilidade de vazamento da
base de dados dos consumidores. Só o Procon de São Paulo, desde novembro do ano
passado, enviou questionamentos a partir de notícias de vazamentos de
informações de clientes a uma concessionária de energia, quatro operadoras de
telefonia e um hospital.
A
Ordem dos Advogados do Brasil também solicitou em janeiro que a Autoridade
Nacional de Proteção de Dados (ANPD) investigasse a possibilidade de os dados
de 220 milhões de brasileiros terem sido vazados.
A
ANPD é um órgão previsto na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), responsável
por fiscalizar o tratamento de dados no país. Segundo a autoridade, “os
vazamentos de dados sempre aconteceram”, mas agora o tema está em evidência com
a implementação da ANPD, que teve a primeira diretoria aprovada pelo Senado em
outubro do ano passado.
O
aumento da coleta e do armazenamento de dados em larga escala é uma tendência
das últimas décadas, segundo a ANPD, por isso a necessidade de uma legislação
como a LGPD.
Sócio
do escritório de advocacia Licks Attorneys, especializado em disputas que
envolvem tecnologia, Douglas Leite também acha que há mais atenção sobre o tema
da proteção de dados devido ao fato de a LGPD ter entrado em vigor
recentemente. No entanto, o especialista também acredita que as notícias de
grandes vazamentos sejam reflexos dos desafios que as empresas que lidam com
quantidades maciças de informações de usuários e clientes têm que enfrentar.
“Algumas
empresas que têm os seus modelos de negócio muito baseados no uso de dados
pessoais, especialmente em grande volume, estão tendo dificuldades sim de mudar
as suas práticas, porque isso não é algo que acontece da noite para o dia”,
ressaltou.
Para
o coordenador do programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Instituto
Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Diogo Moises, a situação pede
atenção da sociedade e do Poder Público. “Esse conjunto de vazamentos dá um
alerta máximo em relação à segurança dos dados pessoais dos brasileiros”,
ressalta.
Na
avaliação de Moises, é necessário que haja respostas efetivas e imediatas.
“Cobrar as empresas e os grandes tratadores de dados que avancem rapidamente.
Para que não ocorram incidentes de segurança e para que esses dados não sejam
copiados por terceiros e colocados à venda”, diz.
A
ação de diversos órgãos com enfoques diferentes, como o Procon e o Ministério
Público, além da própria ANPD, é bem-vinda na opinião do coordenador do
Idec. “Esse próprio ecossistema de
proteção de dados”, explica. Porém, ainda são necessárias, segundo ele, medidas
como um aviso aos consumidores que podem ter sido alvo de vazamentos e a
identificação da origem dessas ações. “O Poder Público precisa dar respostas efetivas.
É preciso dar resposta à sociedade sobre a origem do vazamento, isso ainda não
foi feito em nenhum dos casos”.
A
ANPD disse que tem trabalhado para reunir as informações disponíveis sobre as
notícias de vazamentos. Porém, a autoridade lembra que essas situações, muitas
vezes, envolvem crimes, por isso os casos são apurados com o apoio da Polícia
Federal, do Comitê Gestor da Internet no Brasil e do Gabinete de Segurança
Institucional da Presidência. “Após a conclusão das investigações que competem
às autoridades policiais e investigativas e das apurações administrativas que
competem à ANPD, essa atuará com as medidas cabíveis, previstas na Lei Geral de
Proteção de Dados”, ressalta a entidade.
Durante
esse período inicial da vigência da LGPD, Douglas Leite acredita que é mais
importante conscientizar os empresários do que aplicar punições. “Neste
primeiro momento é mais educar, orientar. Se você tem algum episódio que
realmente causou danos, uma conduta ruim para os titulares de dados, aí vale o
Poder Público avaliar a conveniência ou não de aplicar uma sanção”, defende.
Ele
lembra também que a LGPD visa principalmente a proteger os cidadãos. Por isso,
em caso de notícias de vazamento, o advogado aconselha que as pessoas cobrem
transparência das empresas, conforme determina a lei. “Buscando contato com
essas empresas e perguntando: Que dados meus vocês têm? Como você trata esses
dados? Quais são as suas políticas em relação aos meus dados? ”, diz.
Moises
alerta que o Brasil já é um país com nível elevado de fraudes de diversos
tipos, e o acesso a dados pessoais pode facilitar golpes. “É importante que as
autoridades se mobilizem para reduzir esse número astronômico de golpes, e os
consumidores precisam ficar atentos”, ressalta.
Senhas
fortes e autenticação em dois fatores são cuidados que o coordenador do Idec
considera “básicos” para que os consumidores se protejam no ambiente digital.
Além disso, ele diz que é preciso ter cuidado para promessas de recompensas
fáceis e manter o hábito de acompanhar as movimentações financeiras. Moises
defende ainda ações em nível estrutural. “Elevar o nível da cultura de proteção
de dados no Brasil, isso tem a ver sobretudo com informação e educação”. (ABr)
Segunda-feira,15
de março, 2021 ás 8:30