A
sanção do Projeto de Lei n° 5043/2020,
que amplia o número de doenças detectáveis pelo teste do pezinho, ocorrida no
último dia 26 de maio, representa um benefício para a população brasileira, na
avaliação do presidente do Departamento Científico de Genética da Sociedade
Brasileira de Pediatria (SBP), Salmo Raskin. Em entrevista à Agência Brasil, o
pediatra especializado em genética médica afirmou que o teste do pezinho em si
mesmo já é um benefício para as famílias, porque permite que todo brasileiro,
independentemente de sua condição financeira, possa ser testado ao nascimento
para seis doenças que têm, em comum, a peculiaridade de, se não forem
detectadas precocemente e tratadas, a pessoa ter um problema sério de saúde,
não ter uma vida normal e até morrer.
“Agora,
com a lei, isso vai ficar muito melhor porque, além de investigar seis doenças,
mais de 50 doenças vão ser possíveis de investigação. Em consequência, muito
mais bebês e famílias vão ser beneficiados do que já são hoje em dia”, disse. O
pediatra ressaltou que são doenças difíceis de diagnóstico pelo médico sozinho.
“Se não fizer (o teste do pezinho) no primeiro mês de vida, essa criança vai
ter problemas gravíssimos logo e no resto da vida”.
A
nova lei entra em vigor daqui a um ano, tempo necessário para que os centros
que fazem o atual diagnóstico do teste do pezinho possam se capacitar e adaptar
do ponto de vista técnico, para sair de seis doenças para um grupo de 14
doenças que envolvem cerca de 53 enfermidades.
Salmo
Raskin informou que todas essas doenças são consideradas doenças raras. A
doença menos rara afeta um em cada 10 mil nascidos, indicou. As outras são mais
raras do que isso. “São doenças terríveis. Podem levar à convulsão, retardo
mental, neurodegeneração (a criança regride). São doenças gravíssimas Mas se
você faz o teste rapidamente e trata, as crianças podem ter uma vida muito
próxima do normal”.
De
acordo com o presidente do Departamento Científico de Genética da SBP, o teste
do pezinho pode ser feito até o trigésimo dia de vida do bebê. O recomendável,
entretanto, é que ele seja feito até o sétimo dia de vida da criança. Raskin
explicou que no Paraná, onde reside, o centro que faz o teste é muito
organizado. “Toda criança que nasce no Paraná, na hora de sair da maternidade,
ela já coleta o sangue. Com dois dias de vida, toda criança já coletou”. Em
outros lugares do Brasil, não ocorre o mesmo. Em geral, os pais deixam para
fazer o teste quando a criança volta ao posto de saúde para vacinar. O teste é
feito gratuitamente na rede pública do Sistema Único de Saúde (SUS).
Salmo
Raskin destacou que o principal, além da realização de teste no SUS, é o
atendimento médico dessa criança após o diagnóstico, que nem sempre é efetuado
na rede privada. “De que adianta fazer o diagnóstico dessas doenças raras e
depois não disponibilizar o tratamento, o atendimento dessas crianças? ”,
indagou. Por isso, o Programa de Triagem Neonatal engloba não só o teste, mas
também o acompanhamento de quem for diagnosticado pelo teste, na rede do SUS.
As
doenças raras estão ganhando mais atenção da medicina nos últimos tempos,
admitiu Salmo Raskin, que trabalha com doenças raras há 28 anos. O teste do
pezinho começou a ser feito no Brasil na década de 1970, com uma doença chamada
fenilcetonúria, que causa retardo mental. Em junho de 2001, a Portaria 822 do
Ministério da Saúde instituiu, no âmbito do SUS, o Programa Nacional de Triagem
Neonatal (PNTN), que obriga hospitais públicos e particulares a realizar o
teste do pezinho.
Para
Salmo Raskin, o maior desafio para a realização do teste do pezinho ampliado
não é o teste propriamente dito, porque o Brasil possui uma rede vasta de
laboratórios, que terão que se adaptar para fazer o diagnóstico de mais de 50
enfermidades. “O desafio será poder dar o atendimento e o tratamento para quem
for diagnosticado. Esse vai ser mais desafiante do que o próprio teste”. De
acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), entre 6% e 7% da população
mundial têm doenças raras. Isso equivaleria, no Brasil, a algo entre 12 milhões
e 14 milhões de pessoas. “É uma estimativa. Não tem nada concreto”.
Erika
Moutela teve sua segunda filha, Manuela, no dia 10 de maio passado e fez o
teste do pezinho no sexto dia de vida da bebê. Por conta da pandemia do novo coronavírus,
ela optou por fazer o teste na rede privada, na própria residência, porque
considerou que era “mais seguro, no momento”. Já o primeiro filho, Henrique, de
4 anos de idade, fez o teste do pezinho no SUS. Erika afirmou que o teste do
pezinho é eficaz. Elogiou a ampliação do diagnóstico de doenças raras oferecida
pela lei. “A gente vai tendo conhecimento da importância (do teste), da
quantidade de doenças que podem ser detectadas e que pode ser tratada uma série
de problemas. É superimportante”.
A
presidente da Sociedade Brasileira de Triagem Neonatal e Erros Inatos do
Metabolismo (SBTEIM), endocrinologista Tânia Bachega, disse à Agência Brasil
que o Dia Nacional do Teste do Pezinho visa à conscientização da população para
discutir a necessidade desse exame. No âmbito do SUS, ele é feito dentro do
Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN). Quando há resultado positivo, o
bebê faz outro exame e é encaminhado para um especialista, para medicação. “É
todo um tratamento. Ele vai além do teste em si”.
Tânia
Bachega afirmou que o teste do pezinho serve para detectar doenças que causam
complicações graves mas que, nas fases iniciais, o bebê não tem sinais que
chamem atenção ao diagnóstico. “A maioria dessas doenças causa deficiência
intelectual, podendo levar até à morte precoce”. O exame consiste em uma picada
no calcanhar do bebê para coleta de sangue. “É um exame para selecionar casos
suspeitos. Para toda doença que o teste der positivo, o bebê é encaminhado para
exame confirmatório, mais específico, em laboratório do SUS e, depois, levado
para o especialista. É assim que funciona. É um programa de saúde”. A
presidente da SBTEIM acredita que a ampliação do teste vai ajudar muito a
população. “Agora, a gente tem até 14 grupos de doenças”.
Tânia
Bachega analisou que os centros de diagnóstico no país não estão preparados
para efetuar o teste do pezinho ampliado. O projeto original do deputado
Dagoberto Nogueira (PDT/MS) previa uma incorporação imediata. Tânia argumentou
que o grande problema é que essas doenças envolvem dosagem por um aparelho de
alto custo chamado espectrômetro de massa e, para colocar os valores de
normalidade, a implantação dessa metodologia envolve alta complexidade. “Então,
é preciso um tempo para os serviços serem treinados, capacitados. Este projeto
nos ensinou muito porque o deputado se uniu a geneticistas, ouviu sociedades
médicas e o Ministério da Saúde e essa incorporação é escalonada”. Para Tânia,
foi uma grande lição: “o Legislativo, as sociedades médicas e universidades não
podem trabalhar sozinhos. Têm que se unir para otimizar as políticas de saúde
pública”, disse.
Segundo
a presidente da SBTEIM, a grande maioria dos estados do Sul, sudeste e
Centro-Oeste tem condições de ampliar essa triagem de forma escalonada. “Essa
lei vai uniformizar as ampliações, mas a gente não pode deixar de ter um olhar
para o Norte e Nordeste. Grande parte dos estados não está conseguindo fazer o
diagnóstico das doenças iniciais”. Em sua área de atuação, que é a
endocrinologia, uma das primeiras doenças incorporadas no teste do pezinho foi
o hipotireoidismo congênito que, se não for bem identificado e tratado até 30
dias de vida, pode provocar o cretinismo, uma doença mental grave. “É uma
doença que se for tratada antes de 30 dias, nós vamos ter uma criança normal,
com remédio barato. Isso não tem preço para a qualidade de vida”.
A
médica, que é também professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo (USP), informou que muitos estados não estão conseguindo fazer essa triagem
porque faltam 'kits' e o resultado sai com atraso de quatro a cinco meses. “É
muito tarde”. Por isso, afirmou que não há condição de o Brasil ampliar a
triagem de uma vez. “A gente tem que aproveitar essa ampliação e, primeiro,
arrumar a casa no Norte e Nordeste. Este é um problema grave que precisa ser
resolvido, para a gente conseguir dar um passo na saúde das nossas crianças”,
concluiu a presidente da SBTEIM.
Atualmente,
o teste do pezinho realizado no SUS detecta seis doenças: fenilcetonúria, hipotireoidismo
congênito, anemia falciforme, hiperplasia adrenal congênita, fibrose cística e
deficiência de biotinidase. Com a ampliação do teste do pezinho, poderão ser
detectadas doenças como toxoplasmose, além de doenças derivadas de Erros Inatos
do Metabolismo (EIM), Erros Inatos da Imunidade (EII) e a Atrofia Muscular
Espinhal (AME), entre outras.
Domingo,
06 de junho, 2021 ás 11:51