Uma
explosão de infecções nos Estados do Sul e do Centro-Oeste colocou o Brasil a
caminho de acumular o segundo milhão de casos de Covid-19 em menos de um mês,
em um rápido avanço da doença marcado por um alarmante patamar de mortes
equivalente a seis acidentes de avião em média a cada dia.
Depois
de levar quase quatro meses para atingir o primeiro milhão de casos de
coronavírus —da primeira infecção, confirmada em 26 de fevereiro, até 19 de
junho—, o Brasil deve passar dos 2 milhões em apenas mais 27 dias, caso
registre ao menos 33.252 casos nesta quinta-feira, conforme esperado.
Junto
com o avanço dos casos pelo país, veio um novo platô superior a 1 mil mortes
registradas por dia em média, que ocorre desde o princípio de junho. Com isso,
o Brasil passou dos 75 mil óbitos em decorrência da Covid-19, com a taxa de
mortalidade indo de 103 por 1 milhão de habitantes em meados de maio para 359
por 1 milhão atualmente.
“Como
a epidemia se distribui desigualmente no espaço geográfico, o número de casos
no Brasil está alto e estamos em um platô no número de mortos elevadíssimo, de
mais de 1 mil mortes por dia, e isso nos preocupa muito”, disse Roberto
Medronho, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio e
Janeiro (UFRJ) e líder do Grupo de Trabalho Multidisciplinar para Enfrentamento
da Covid-19 da UFRJ.
“Na
verdade, nós temos em torno de 5 a 6 aviões caindo por dia, e o que eu vejo é
uma fila enorme de pessoas querendo viajar nesses aviões”, acrescentou,
lembrando as cenas de aglomerações de pessoas em bares no Rio de Janeiro após a
reabertura.
Ao
mesmo tempo que atinge a triste marca de 2 milhões de casos, o Brasil segue há
mais de dois meses com um ministro interino da Saúde, o general Eduardo
Pazuello, depois de dois titulares da pasta deixarem o governo por
discordâncias com a política do presidente Jair Bolsonaro para lidar com a
doença.
“O
governo manteve a postura dele apesar da crise sanitária, pensou mais no
dinheiro das pessoas que o financiam do que na saúde do próprio povo... Também
zomba da doença, não acredita, acha que o isolamento social —que é a medida
mais eficaz de conter o avanço da doença— zomba dessa questão também, acha que
tem que estar todo mundo na rua”, afirmou o gerente de loja Rafael Reis, que
perdeu a mãe, de 71 anos, vítima da doença no Rio de Janeiro.
“Não
que a gente esteja pronto para isso em algum momento da vida, mas ser dessa
forma, com a Convid-19 levando a minha mãe, foi muito, muito dolorido”,
acrescentou Rafael Reis, de 34 anos.
Bolsonaro,
que na semana passada anunciou ter testado positivo para a Covid-19, desde o
princípio minimizou a pandemia, chegando a chamar a doença de “gripezinha”, e
sempre foi crítico às medidas de isolamento defendidas por especialistas para
conter a circulação do vírus, alegando que o impacto econômico seria pior do
que a própria doença.
Questionado
no final de abril sobre as mortes em decorrência da Covid-19, após o Brasil
ultrapassar o total de óbitos da China, o presidente respondeu: “E daí?
Lamento. Quer que eu faça o quê? ” — apesar do desespero das famílias que
perdem seus entes queridos.
A
aceleração da pandemia no Brasil se deu em meio ao avanço da doença
respiratória provocada pelo novo coronavírus para localidades que não sofreram
os piores impactos da epidemia nos primeiros meses, uma vez que a Covid-19 chegou
ao Brasil pelos principais aeroportos internacionais.
Estados
como Goiás, Rio Grande do Sul e Paraná pouco contribuíram para o 1 milhão de
casos no país, mas se tornaram locais de grande aceleração da doença
recentemente, levando o Brasil nas últimas duas semanas epidemiológicas a
registrar seus números mais altos de casos.
Na
semana epidemiológica encerrada em 20 de junho, quando o Brasil atingiu seu
primeiro milhão, a Região Sul havia registrado 12.752 casos, e a Centro-Oeste,
22.412. Em comparação, na semana encerrada no último sábado, o Sul teve 27.426
novos casos, e o Centro-Oeste, 30.541.
Inicialmente,
como Rio de Janeiro e Ceará, não foram o bastante para compensar as altas no
demais lugares, o Brasil como um todo passou de 217.065 casos na semana epidemiológica
25 para mais de 260 mil nas duas últimas semanas.
No
total, o Brasil registrou na última semana epidemiológica aumento de casos em 9
unidades da federação, com estabilização em 8 e redução em 10, na comparação
com a semana anterior.
“A
doença evolui não apenas no tempo, mas também no espaço geográfico”, disse
Medronho. “Nós ainda não atingimos o pico no Brasil por conta desses sucessivos
processos epidêmicos que estão ocorrendo nas diversas regiões geográficas do
nosso país.”
O
Brasil é o segundo país mais afetado pela pandemia de Covid-19 em números de
casos e de óbitos, atrás apenas dos Estados Unidos, que atualmente vivem um
forte ressurgimento dos casos —provocado pela reabertura dos negócios em
diversos Estados— depois de algumas semanas de declínio.
Nos
EUA, a passagem de 1 milhão para 2 milhões levou 43 dias, sendo, portanto, mais
longa que os 27 dias no Brasil, caso a cifra se confirme nesta quinta-feira. Os
Estados Unidos atualmente já superaram os 3 milhões, levando exatamente 27 dias
para acumular o terceiro milhão.
Assim
como nos EUA, a reabertura precipitada das atividades econômicas, ou seja,
antes de se conseguir controlar a disseminação do coronavírus, também teve
impacto na alta de casos no Brasil. Na capital Brasília, por exemplo,
especialistas apontaram que uma recente explosão de casos foi claramente
motivada por uma reabertura prematura.
Segundo
Medronho, o próximo milhão de casos no Brasil não deve ser tão rápido quanto o
último, uma vez que a epidemia já chegou com força aos locais mais populosos do
país e a tendência é que perca força conforme mais pessoas entram em contato
com a doença.
“A
previsão é que no final de julho ou entre a primeira e segunda semana de agosto
os números comecem a se reduzir”, afirmou.
“Nós
já estamos atingindo grande parte da população, então nós tivemos essa alta
elevada e agora a tendência da curva é crescer mais lentamente, e logo em
seguida, em agosto, cair. O número de pessoas ainda suscetíveis tem diminuído
muito na população. ”
Para
Wanderson Oliveira, ex-secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da
Saúde, a mudança do foco da pandemia para os Estados do Sul pode ter desfecho
preocupante devido à faixa etária elevada dos moradores da região,
principalmente nas cidades do interior.
“Eu
vejo que o vírus está se espalhando com maior velocidade entre os jovens e para
o interior, e o reflexo disso para mortalidade em uma região em que a
longevidade é maior que a média nacional a gente só vai perceber lá para
agosto. Isso precisa ser monitorado, é o que me preocupa no Sul, essa relação
do interior com uma população de mais idade. Com o frio, a umidade, tem tudo
para explodir. ” (Reuters)
Quinta-feira, 16 de julho, 2020 ás 18:00
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