A decisão do presidente Jair
Bolsonaro de pregar a neutralidade ante a guerra entre a Rússia e a Ucrânia não
está impedindo o Brasil de ser engolfado pelos conflitos. O impacto mais
imediato veio na sexta-feira (04/03), diante da decisão do país de Vladimir
Putin de suspender as exportações de fertilizantes.
O agronegócio brasileiro é
muito dependente dos produtos russos. Do total de adubos usados nas lavouras,
mais de 20% vêm da Rússia. Os estoques nacionais, pelos cálculos da Anda,
associação que representa o setor de fertilizantes, dão apenas para mais três
meses. Bolsonaro justificou sua visita ao presidente Putin uma semana antes da
invasão à Ucrânia como forma de garantir o suprimento dos insumos ao Brasil. De
nada adiantou.
O enrosco da guerra passa pelo
sistema de saúde. A empresa ucraniana Indar, com sede em Kiev, fechou acordo
com o Ministério da Saúde para o fornecimento de 20 milhões de doses de
insulina, das quais 8 milhões ainda não foram entregues — nem serão tão cedo,
por causa do bombardeio no Leste Europeu.
O quadro só não é mais
preocupante, porque o ministério firmou contrato com a norueguesa Novo Nordisk,
o que garantirá o suprimento do SUS até abril de 2023. Para que o
desabastecimento não se torne uma realidade e os diabéticos não fiquem sem
atendimento na rede pública, o governo terá de se desdobrar em busca de novos
fabricantes.
Os brasileiros também terão de
lidar com a alta dos preços dos combustíveis. Se a Petrobras realmente
acompanhar a disparada das cotações do barril de petróleo no exterior, que
flertam com os US$ 120, os combustíveis ficarão entre 20% e 25% mais caros. No
Distrito Federal, as projeções apontam para o litro da gasolina próximo de R$
7,50.
Mesmo que o Congresso aprove
um dos projetos de lei que reduzem impostos sobre os derivados de petróleo,
nada impedirá que os consumidores sintam no bolso o peso dos reajustes. Por
enquanto, a petrolífera está atendendo aos apelos do Palácio do Planalto para
não mexer nas tabelas de preços nas refinarias. Mas a empresa tem limites.
Não é só. As cotações das
commodities agrícolas estão no nível mais alto desde 2008. Significa que a
comida que chega à mesa dos brasileiros ficará mais cara nos próximos 30 dias.
O maior impacto virá do trigo, matéria-prima do pãozinho, de bolos, massas e
biscoitos.
Ainda que o grão importado
pelo Brasil — que produz somente 50% do que consome — não venha da Rússia e da
Ucrânia, grandes fornecedoras, com a escassez do produto, os preços disparam.
Não há escapatória. Isso vale para a soja, o milho e as carnes. Como dizem os
especialistas, é mais inflação na veia, que punirá, sobretudo, os mais pobres,
cujos orçamentos são destinados, em maior parte, para os alimentos.
Assim como Bolsonaro está em
cima do muro diante do embate no Leste Europeu — o mundo civilizado condena
veementemente a Rússia pelos bombardeiros —, o governo como um todo dá sinais
de incapacidade sobre como reagir aos efeitos da guerra.
A percepção é de que os
brasileiros terão de lidar sozinhos com suas próprias guerras. O problema é
que, sem medidas coordenadas e ações efetivas por parte do poder público, o
desastre estará contratado, mesmo que os conflitos armados que aterrorizam o
mundo estejam a mais de 10 mil quilômetros de distância. Neste mundo
globalizado, tudo é logo ali.
*Correio Braziliense
Segunda-feira, 07 de março 2022
às 21:51