Milhares
de prefeitos eleitos terão, a partir do dia 1º de janeiro de 2021, o desafio de
tornar melhor a vida das pessoas em cada um dos quase 6 mil municípios
brasileiros. De todas as promessas apresentadas durante as campanhas, uma das
que têm mais condições de ajudar os futuros prefeitos a cumprirem esse desafio
são as que têm, como tema, a mobilidade urbana.
A
mobilidade urbana está diretamente relacionada à qualidade de vida das pessoas.
Basta imaginar viver em uma cidade onde, deslocar-se por ela, seja algo fácil,
agradável e a um preço acessível. Tudo é muito lindo de se imaginar.
Boa
parte dos prefeitos têm muita dificuldade para conseguir melhorar a situação
dos transportes públicos e das vias – o que inclui calçadas, ciclovias,
veículos, corredores de ônibus, transporte escolar e muito mais – porque sequer
sabe o que é “a tal mobilidade urbana”.
Mobilidade
urbana: as condições oferecidas pela cidade para facilitar o deslocamento de
cidadãos e bens, com o objetivo de desenvolver atividades e relações sociais e
econômicas
Professor
da Universidade de Brasília (UnB) e doutor em política de desenvolvimento
territorial, Joaquim Aragão sugere que, antes de definir as prioridades de sua
gestão, os prefeitos observem algumas características de seu município –
principalmente com relação ao tamanho e ao número de habitantes.
“Todas
prefeituras, independentemente do tamanho do município, precisam, antes de
tudo, levar em conta as boas condições de mobilidade para os pedestres”,
enfatiza Aragão ao ser perguntado sobre quais primeiros passos o gestor deve
dar para melhorar o ir e vir das pessoas em sua cidade.
“Em
municípios de área rural ou de perímetro urbano delimitado, por exemplo, muita
coisa pode ser resolvida com bicicleta, deslocamentos a pé ou com mototáxis
que, além de serem renda para muita gente, são muito relevantes e usados pela
população – e, por isso, precisam urgentemente ser regularizados até mesmo para
que esses profissionais sejam treinados, de forma a prestar um serviço seguro”,
explica o professor.
Segundo
Aragão, no caso de municípios rurais, um dos grandes desafios para os prefeitos
está relacionado ao transporte escolar rural, que desloca os estudantes entre a
casa e a escola. Por meio de um ajuste contratual e com uma regulação
inteligente, é possível permitir que os operadores contratados circulem e
estendam o serviço aos demais cidadãos, enquanto os alunos estão em aula ou já
tenham retornado a suas residências.
“Nossa
experiência mostra que o transporte escolar tem papel muito importante, que vai
além de ser apenas escolar. Mas, para serem bem aproveitados, esses veículos
têm de ter garantias quanto a sua manutenção, segurança e regularidade”, diz o
especialista, ao lembrar que recursos para esse fim podem ser obtidos com a
ajuda do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.
No
caso das cidades de médio porte, a preocupação vai além do transporte escolar.
Segundo Aragão é necessário ter um sistema de ônibus mais adequado. Mas, para
isso, é necessário ter um contrato que, de fato, busque a melhor entre as
propostas apresentadas. Principalmente nos casos em que a prefeitura não tenha
técnicos para ajudar no controle e na verificação da qualidade do serviço.
“Nesse
sentido, é muito importante que haja diálogo entre população, operador e
operador público. Essas três partes têm de dialogar, e não apenas ficar
reclamando uma da outra. Trata-se de uma política de construção consensual para
a cidade”, argumenta Aragão.
Já
as cidades de maior porte precisam de um sistema com planejamento público mais
definido, com um transporte de massa mais pesado. A começar por corredores
exclusivos de BRT (Bus Rapid Transit), até chegar a sistemas sobre trilho,
necessários para cidades com população acima de 2 milhões de habitantes.
“É
importante ver também outros meios de transportes que não sejam motorizados,
como as bicicletas, que têm papel muito importante hoje em dia. Outros pontos a
serem considerados são o tráfego e os estacionamentos nas áreas centrais, para
que os carros não estacionem de forma a perturbar a circulação. Tem de haver
uma boa política para que realmente haja uma boa utilização disso tudo”.
A
circulação do transporte de carga também tem de ser levada em conta porque é
muito comum os prefeitos se preocuparem com transporte coletivo e acabarem se
esquecendo dos veículos de grande porte que, em muitos casos, acabam tendo de
circular nas pequenas vias do município. “Os prefeitos precisam ficar atentos
para impedir que caminhões e carretas rodoviárias circulem livremente,
atrapalhando o trânsito e danificando calçadas e asfalto”, disse Aragão.
Uma
coisa é consenso entre os especialistas consultados pela Agência Brasil: para
dar fluidez ao trânsito é fundamental que se tenha serviços de transportes públicos
eficientes e que eles sejam priorizados em relação aos automóveis.
É
o que defende o presidente da Associação Nacional das Empresas de Transportes
Urbanos (NTU), Otávio Cunha. “Faixas exclusivas à direita da via é uma medida
barata e eficiente porque muitos dos problemas que se têm atualmente estão
relacionados à valorização e à prioridade que se deu ao transporte individual
ao longo dos últimos 25 anos. Precisamos mesmo priorizar o deslocamento do
ônibus”.
De
acordo com a entidade, os automóveis ocupam 70% do espaço viário e transportam
25% das pessoas, enquanto os ônibus ocupam menos de 10% e transportam 40% da
população. “Até do ponto de vista da democratização do espaço urbano, é justo
investir no transporte público”, disse o executivo.
Cunha
alerta que os prefeitos precisam ficar atentos porque as críticas à faixa
exclusiva e a defesa do transporte individual virão. “Elas vêm sempre dos
cidadãos de posse [são eles os que mais utilizam carros para se deslocar]”,
disse.
Em
alguns casos, a resistência e os conflitos podem ter, como origem, os
comerciantes. “Como os BRTs circulam de forma mais rápida, podem representar
algum perigo, principalmente em vias comerciais. Há prefeitos que tiveram
problemas para implantar esses corredores porque alguns comerciantes acham que
ter essas vias em frente ao seu comércio acaba afastando clientes. Há também
queixas em relação à cultura de direção de nossos ônibus, que é péssima,
gerando o desconforto a passageiros e a pessoas nas ruas e calçadas”, disse.
Segundo
o superintendente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), Luiz
Carlos Néspoli, o Brasil evoluiu muito na implantação de faixas exclusivas e
corredores de BRT, mas seu uso é pouco, se comparado ao potencial que este
modal tem.
“Uma
boa medida [para ilustrar seu pouco uso] é a quantidade de quilômetros com
faixa exclusiva, em comparação com o total de quilômetros de vias servidas por
ônibus. Hoje, a média no Brasil é de apenas 4,4%. Ou seja, a cada 100 km de
vias onde circulam os ônibus, apenas 4,4 km têm prioridade”.
A
ANTP estima que as cidades com mais de 250 mil habitantes ainda precisam de
cerca de 9 mil km de vias com prioridade, sendo 7,7 mil km de faixas exclusivas
à direita da via; 1,1 mil km de corredores centrais de avenidas; e 198 km de
BRT, com corredores mais sofisticados.
Metrôs podem ser uma solução definitiva para
cidades com população a partir de 2 milhões de habitantes. Para Otávio Cunha,
da NTU, este é o melhor de todos os sistemas, além de ser o mais bem avaliado
por ser seguro, confiável e regular. “Ele tem velocidade comercial e é limpo
[ambientalmente]”, explicou.
Por
outro lado, em função de seu alto custo, em geral só é viável tendo a ajuda de
subsídios. “Só tarifa não paga o serviço. A solução, então, passa por receitas
extratarifárias pagas pela sociedade, já que é a população a parte mais
beneficiada nessa cadeia. O taxamento de transporte individual; de
estacionamentos; de combustíveis e os licenciamentos podem e devem ajudar a
bancar esse transporte público”.
O
metrô é um transporte de massa e é isso o que viabiliza sua existência. “É
necessário muitos passageiros (arrecadação) para cobrir os custos operacionais
e de investimento”, acrescenta Néspoli, da ANTP.
Para
o professor Aragão, esta “solução definitiva” costuma ser prejudicada por
“lobbies e pressões políticas” feitas por empresas de ônibus que querem impor o
seu modal como solução até para cidades com população superior a 4 milhões de
habitantes. “As maiores capitais deveriam já ter umas 15 linhas de metrô e de 5
a 10 linhas de trem metropolitano. Muitos países asiáticos, como a China, já
têm sistemas de 20 linhas”, disse. “É caro? Claro que é, até por precisar de um
modelo de investimento muito mais complexo. Mas a pergunta a ser feita deve ser
outra: qual é o custo de não se fazer isso?”
Para
muitos municípios, um modal que, além de não causar problemas para o meio
ambiente, pode ajudar a diminuir os gastos públicos com saúde é o das
ciclovias. Além de tudo, é o mais fácil e barato de ser construído. Os
prefeitos, no entanto, precisam ficar alertas para o fato de que este modal
também precisa de um plano de circulação.
“Em
geral, prefeitos estão muito preocupados com obras. Então as ciclovias, para
eles, é algo fantástico. Hoje, felizmente, se vê ciclovias em qualquer lugar
porque é obra fácil de fazer e porque o prefeito fica bem na foto ao fazer uma
rede de ciclovias”, diz Aragão.
Para
Néspoli, é fundamental que se dê maior segurança para a circulação das bicicletas,
com a implantação de ciclofaixas ou ciclovias e também com bicicletários e
estacionamentos mais seguros de bicicleta. O superintendente da ANTP sugere,
aos prefeitos de cidades onde não há a cultura do uso de bicicletas, que façam
campanhas estimulando seu uso.
Integrante
da União de Ciclistas do Brasil, André Soares, sugere aos futuros prefeitos,
que, antes de darem início a alguma obra de ciclovia, conheçam a demanda que
existe na cidade. “Façam pesquisas para conhecer quantos são e onde estão os
ciclistas da cidade, para então determinar onde fazer ciclovias e/ou ciclo
rotas”, disse. “Regiões de baldeação de passageiros para metrôs, trens e
ônibus, se conectadas a uma infraestrutura de bicicletários permitem a
intermodalidade de forma eficiente. É necessário também uma boa iluminação na
ciclovia e que a implementação dessas ciclovias aconteça em área de circulação
urbana, para que a segurança do usuário seja favorecida”.
Ainda
segundo o ciclista, a arborização também proporciona conforto térmico, estimulando
ainda mais as pessoas a pedalarem. “Vale ressaltar que a maior parte da
infraestrutura cicloviária existente está na região central das cidades. Logo,
é necessário conectá-la às demais regiões, principalmente com as regiões
periféricas”, disse.
Integrante
da Associação pela Mobilidade à Pé (Cidadeapé), Ana Carolina Nunes explica que
a Política Nacional de Mobilidade Urbana determina o que os
prefeitos devem fazer e diz que a caminhada, a bicicleta e o transporte público
devem ter prioridade em relação a carros e motos.
Ana
Carolina explica que ao determinar que cada um é responsável pela calçada à
frente de sua casa, as leis municipais acabam dificultando a acessibilidade e a
segurança da própria calçada. Ela também é coordenadora da campanha Mobilidade
Sustentável nas Eleições – que tem, por objetivo, inserir os modos de
mobilidade sustentável nos programas de governo, nas campanhas eleitorais e na
atuação de prefeitos e vereadores.
No
site há propostas para a promoção de uma mobilidade mais sustentável nos
municípios. Para acessá-las, clique aqui.
Ana
Carolina diz que a Lei Brasileira de Inclusão determina que as prefeituras
planejem obras visando “rotas acessíveis” a todas as pessoas. “O melhor caminho
para as prefeituras é discutir com a população – principalmente pessoas com
deficiência e mobilidade reduzida - quais são as áreas prioritárias para fazerem
parte dessas rotas acessíveis”.
Ela
cita que as áreas centrais, entorno de unidades de Saúde, escolas e
equipamentos de cultura e lazer são altamente recomendadas para integrarem
essas rotas. “Os profissionais da prefeitura devem fazer projetos que permitam
a qualquer pessoa fazer caminhos inteiros sem se preocupar com degraus ou
qualquer obstáculo”, acrescenta. Ela defende, também, a instalação de
elevadores em estações de metrô e escadas e rampas de acesso a terminais de
ônibus. (ABr)
Segunda-feira,
09 de novembro, 2020 ás 9:30