O Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) vai repetir neste ano medidas de combate às fake news que não tiveram
êxito nas eleições presidenciais passadas e tentar outras ações para evitar a
enxurrada de notícias falsas. As novas medidas, porém, são vistas com
desconfiança por especialistas ouvidos pelo Estadão.
Em 2017, sob a presidência do
ministro Gilmar Mendes, o TSE montou o Conselho Consultivo sobre Internet e
Eleições para discutir formas de coibir a proliferação de notícias falsas nas
redes sociais. Nas eleições do ano seguinte, em 2018, quando Rosa Weber atuou
como presidente, este foi o principal instrumento do tribunal contra a
desinformação, mas o grupo fracassou em apresentar respostas eficazes às fake
news que dominaram a disputa.
O Ministério Público, o
Ministério da Defesa, o Ministério da Justiça, o Departamento de Polícia
Federal e o Ministério da Ciência e Tecnologia, entre outros, compunham o
Conselho Consultivo. O grupo tinha como principal objetivo avaliar o risco de
fake news e o uso de robôs para disseminação da desinformação durante a
campanha.
Apesar da presença de
autoridades focadas em coibir tais práticas, houve disparos em massa de
mensagens em benefício do então candidato Jair Bolsonaro, como atestou o TSE
durante o julgamento de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão.
Para as eleições de 2022, além
da comissão temática, a Corte traçou ações administrativas e jurídicas, na
tentativa de fazer frente às milícias digitais. Especialistas ouvidos pelo
Estadão, porém, disseram não existir garantias de que as iniciativas surtirão o
efeito desejado. Um exemplo é o processo de tratativa com as redes sociais para
conter as notícias falsas.
W Sob o comando do então
corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Luis Felipe Salomão, o TSE se aproximou
das empresas de tecnologia responsáveis pelo funcionamento das plataformas
digitais YouTube, Twitch.TV, Twitter, Instagram e Facebook no País.
Mas, embora tenham sido
adotadas medidas de ataque ao poder econômico dos propagadores de notícias
falsas, como a desmonetização de canais e páginas que propagam fake news, as
negociações deixaram de fora dois dos principais redutos bolsonaristas nas
redes sociais: os aplicativos de mensagens WhatsApp e Telegram.
Além disso, não foram
formalizados compromissos das empresas em reformular suas políticas para conter
o ambiente hostil nas redes sociais.
Como mostrou o Estadão, redes sociais como o
Telegram e o Gettr – aplicativo semelhante ao Twitter que atraiu a
extrema-direita pela falta de moderação de conteúdo – estão fora de controle e se
tornaram abrigos de bolsonaristas foragidos da Justiça, como o blogueiro Allan
dos Santos, e têm se notabilizado por ser espaços de livre circulação de
notícias falsas.
Na avaliação de Carlos Affonso
Souza, professor de Direito e Tecnologia na Universidade Estadual do Rio de
Janeiro (UERJ), a rede social representa um dos problemas anunciados para as
eleições deste ano e deve ser contestada a tempo de evitar problemas como os
observados em disputas anteriores.
“É importante levar a sério o
papel do Telegram. Ele não respondeu às solicitações de informações da CPI da
Covid, não tem se mostrado responsivo às demandas de diversos órgãos no Brasil.
Esse é um ponto de atenção”, afirmou Souza.
O coordenador-geral da Academia Brasileira de
Direito Eleitoral e Político (Abrabep), Luís Fernando Pereira, afirma que o TSE
falhou, em 2018, por apostar numa resposta jurisdicional. “Toda vez que havia
fake news, havia a necessidade de propor uma ação judicial, que merecia parecer
do Ministério Público e decisão judicial. Mas o tempo orgânico do processo é
incapaz de concorrer com a velocidade das fake news”, avaliou. “O novo
ecossistema onde convivem as fake news é incompatível com a reação mais lenta
do Judiciário.”
Para a pesquisadora Flávia
Lefèvre, do coletivo de internet e comunicação Intervozes, as negociações com
as empresas ficaram aquém do ideal para combater a desinformação em ano
eleitoral, sobretudo porque não garantiram acordos para limitar a distribuição de
conteúdo mentiroso.
Durante as eleições deste ano,
o Facebook e o Instagram vão adotar tarjas que levam diretamente ao site do TSE
para informações confiáveis sobre o pleito, o que não impede a replicação de
conteúdo mentiroso.
*Estadão
Sábado, 08 de janeiro 2022 às
11:46