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segunda-feira, 10 de agosto de 2020

POLITIZARAM A EPIDEMIA E COLOCARAM O BRASIL EM POSIÇÃO VERGONHOSA



O mundo subestimou a gravidade da pandemia. Em dezembro, quando chegaram da China as primeiras notícias de um novo coronavírus, faltavam dados para avaliar a gravidade da situação que o país enfrentava. Numa demonstração clara da facilidade de contágio, o vírus espalhou-se em poucas semanas para os países asiáticos e do Oriente Médio, entre os quais o Irã, destino de peregrinações religiosas.

A chegada dos primeiros doentes nos hospitais do Norte de Itália deveria ter servido de alarme para os serviços de saúde do mundo inteiro. Mas não aconteceu. No exato dia em que os italianos decretaram as primeiras medidas de isolamento social nas cidades do Norte, para aliviar a pressão sobre as UTIs, os espanhóis autorizaram uma passeata em comemoração do Dia Internacional da Mulher, com 200 mil manifestantes nas ruas centrais de Madri.

Enquanto Itália, Espanha, França, Reino Unido, Bélgica e outros países europeus tentavam evitar que o número de pacientes graves esgotasse a disponibilidade de aparelhos de ventilação mecânica, o coronavírus invadia a América do Norte. A cidade de Nova York, com caminhões frigoríficos estacionados na porta dos hospitais, tornou-se o epicentro da epidemia.

O despreparo dos americanos era de tal magnitude que os hospitais de Manhattan, capital financeira do mundo, foram surpreendidos sem máscaras cirúrgicas, gorros e aventais, para proteger os funcionários. Cerca de 90% dos equipamentos de proteção individual (EPIs) usados no mundo eram Made in China, exportador que os oferecia a preços imbatíveis. Quando os chineses precisaram de EPIs para sua imensa população, houve escassez.

No fim de fevereiro morreu o primeiro cidadão brasileiro, seguido por uma série de outros, infectados na Europa e nos Estados Unidos. A epidemia chegava pela primeira vez num país com tamanha desigualdade social, que não dispunha de quantidades suficientes de equipamentos de proteção, leitos hospitalares, UTIs equipadas com ventiladores mecânicos e kits para a testagem em massa.

Como em epidemias anteriores trazidas por quem havia viajado para o exterior, o vírus espalhou-se na direção das periferias das nossas cidades, locais com ao menos 15 milhões de habitantes. Sem testes disponíveis, ficamos reféns dos caprichos virais. Era esperado que São Paulo e Rio de Janeiro, metrópoles que recebem grande número de viajantes, fossem epicentros da epidemia brasileira, mas não imaginávamos que Manaus, Belém, Recife e Fortaleza seriam atingidas ao mesmo tempo, com tamanha virulência. Passamos a agir como bombeiros, tentando apagar os incêndios que se disseminaram pelos grandes centros e, em seguida, pelos interiores de todos os estados.

Para impedir o caos, o Sistema Único de Saúde foi obrigado a tentar corrigir em semanas a desorganização que a desídia de sucessivos governos provocou em anos. Leitos hospitalares, hospitais de campanha e UTIs equipadas com aparelhagem em falta no mercado internacional surgiram às pressas para receber os casos graves. Foi preciso criar auxílios governamentais e distribuir doações da sociedade, para evitar que a fome se instalasse entre os 40 milhões de trabalhadores da economia informal.

Na crise ficaram expostas as fragilidades do SUS, mas também sua capacidade de reação rápida e, especialmente, a importância de termos o maior sistema único de saúde do mundo, instituição que só valorizamos agora. No início da pandemia, a experiência de outros países demonstrou que o isolamento social e a testagem em massa da população eram medidas de contenção fundamentais. Semanas mais tarde, a Organização Mundial da Saúde reconheceu a importância do uso de máscaras para reduzir os índices de transmissão.

Na área da prevenção, nós nos demos mal. Muito mal. Primeiro, porque não é fácil isolar pessoas que vivem em habitações precárias, com crianças e adultos forçados a compartilhar espaços exíguos. Depois, porque aos mais pobres faltam recursos para sobreviver sem sair de casa.

Acima de tudo, entretanto, faltou coordenação para um esforço nacional com orientações claras à população e aos gestores de saúde para a adoção de medidas preventivas que a ciência e a experiência mundial aconselhavam. Por mais absurdo que possa parecer, o presidente brasileiro entendeu que o isolamento arruinaria a economia e instalaria a fome no País, tormento que apregoou ser mais mortal do que o vírus, sem nenhum dado que justificasse.

Não contente com a interpretação enviesada, ele passou a provocar aglomerações, andar acintosamente sem máscara, menosprezar a gravidade da doença e a defender a indicação de um medicamento inútil, comportamentos que confundiram o povo, politizaram a epidemia e colocaram o País em posição vergonhosa nas manchetes da imprensa internacional.

O resultado de tantos desencontros foi devastador. Enquanto esperávamos que o pico da curva de mortalidade fosse seguido de queda abrupta do número de casos, verificamos que veio seguido de um platô mantido com cerca de mil mortes diárias, que nos faz atingir agora a triste marca de 100 mil brasileiros mortos.

*Carta Capital 

Segunda-feira, 10 de agosto, 2020 ás 18:00

 

domingo, 9 de agosto de 2020

LIBERDADE DE EXPRESSÃO PRECISA TER LIMITES, INCLUSIVE DE CARÁTER ÉTICO



Instaurou-se um debate sobre liberdade de expressão, quando o jornalista Hélio Schwartsman publicou artigo desejando a morte do presidente da República, com base na filosofia consequencialista.

Mesmo com fundamento nessa ética consequencialista, seria terrível a liberdade de pensamento em tais termos, ou seja, para manifestar morbidez e desejar a morte dos outros, seja daqueles acometidos por doenças transmissíveis ou de pessoas consideradas indesejáveis.

A liberdade de expressão não pode ser absoluta. Seria possível ao mesmo articulista promover desejo pela morte de ministros do Supremo, para renovar o tribunal? Poderia também sustentar a necessidade da morte de deputados ou senadores?

A consequência seria a disseminação do discurso do ódio nas mídias sociais e na imprensa em geral, uns desejando a morte dos outros, abertamente, se tal consequência tiver fins socialmente úteis para a maioria da coletividade, como sustentou o articulista.

A essência do discurso do ódio é o ataque ao Outro, sob a ideia de superioridade do emissor sobre o destinatário. Ao desejar a morte de alguém, não importa se essa pessoa não se encaixa numa categoria de minoria radical, o emissor incita o ódio sobre seu alvo, imputando-lhe fatos ou características que lhe concedem o status indesejável, o que, no limite, justificaria sua eliminação física ou moral.

Imagine-se nas redes sociais uma campanha pela morte de ministros do STF, de senadores ou mesmo do presidente da República. Essa apologia seria um discurso de ódio. Alguém poderia invocar alguma ética consequencialista, como a melhoria da qualidade do Congresso Nacional, para justificar a morte dos parlamentares?

O discurso do ódio produz maiores danos ao conjunto da coletividade do que qualquer possível benefício cogitado por seus cultores. Mas é certo que, nesse contexto, o princípio da dignidade humana haverá de falar mais alto.

* Correio da Manhã

Domingo, 09 de agosto, 2020 ás 18:00

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