A
vacina desenvolvida pelo Instituto Gamaleia, batizada de Sputnik 5, foi
anunciada ontem cercada de desconfianças pela comunidade científica mundial,
mas já tem interessados no Brasil. O governo do Paraná está trabalhando em um
acordo de parceria para a implementação do medicamento anunciado pelo
presidente Vladimir Putin, tanto que, hoje, realiza uma reunião técnica com
representantes russos para avançar nas negociações. Entretanto, tudo precisa
ser referendado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que
também compartilha das dúvidas sobre o agente imunizador anunciado em Moscou.
A
conversa com o país sobre a possível participação, porém, tem cerca de 20 dias.
De acordo com a assessoria de imprensa do governo paranaense, no encontro de hoje
devem estar presentes um representante do Palácio Iguaçu e um do Instituto
Técnico do Paraná. Pelos russos, é esperada a presença do embaixador Sergey
Akopov e sua equipe. “O encontro é para definir os termos de um possível acordo
entre as partes, e será coordenado pelo governador Carlos Massa Ratinho
Junior”, informou o governo, em nota. A expectativa é que se definam os
requisitos técnico-científicos, delimitando os termos a serem seguidos. De
acordo com a assessoria, isso inclui respeitar as normas brasileiras e ter a
aprovação da Anvisa.
Ao
Correio, o Ministério da Saúde afirmou estar atento aos estudos e a “todas as
vacinas em desenvolvimento e garante que, assim que tiver acesso à vacina
comprovadamente eficaz contra a covid-19, os brasileiros terão acesso a ela”.
Em 4 de agosto, a pasta esteve com representantes do Fundo de Investimento
Direto da Rússia (RDIF) para tratar da vacina. No mesmo dia, mais cedo, também
foram feitas tratativas com responsáveis pela farmacêutica chinesa Sinopharm. O
governo federal vem recebendo representantes de empresas que têm interesse em
trazer a medicação.
Sem
registro
A
vacina russa ainda não está no rol de processos aguardando autorização da
Anvisa e nenhum pedido de protocolo de pesquisa ou de registro chegou para os
técnicos –– também não há solicitação de qualquer entidade ou parceiro dos
desenvolvedores. Por isso, não há estimativa para que os protocolos saiam neste
mês, pois as análises levam pelo menos 30 dias, levando em conta a celeridade
do processo devido à crise de saúde.
“A
Anvisa tem a função de avaliar os pedidos de registro e autorizações de estudos
apresentados pelos laboratórios farmacêuticos com interesse em colocar seus
medicamentos e vacinas no Brasil. Tem foco na segurança e eficácia, que são os
requisitos fundamentais para qualquer medicamento ou vacina”, salientou, em
nota.
As
solicitações de autorização de estudo clínico vêm sendo avaliadas pela Anvisa
em 72 horas. Mas, para conseguir este prazo, são realizadas reuniões com a
empresas e o Comitê de Avaliação de Estudos Clínicos, Registros e Mudanças
Pós-Registros de Medicamentos para Prevenção ou Tratamento da Covid-19. Sem
nenhum pedido, a Anvisa afirma que não há como fazer avaliação da candidata,
nem tampouco se pronunciar em relação a segurança e eficácia do produto russo.
A cautela, para especialistas escutados pelo Correio, é necessária, apesar da
urgência.
“Como
qualquer estudo científico, esse trabalho de vacina também tem que ser
publicado para poder ter algum tipo de análise. Não é questão de ser ruim ou
não, de ter efeito adverso. É questão de não saber”, explicou o infectologista
Alberto Chebabo. O fato de a vacina ser aprovada na Rússia não quer dizer que
será aprovada no país.
Atualmente,
há 120 vacinas em desenvolvimento no mundo, segundo a Organização Mundial da
Saúde (OMS), sendo que seis delas estão entre as mais avançadas (veja quadro).
Destas, a Anvisa deu aval a quatro e, com isso, o país pode participar das
fases de testes, além de tentar parcerias para negociar disponibilização de
doses quando aprovadas.
A
corrida para o desenvolvimento da tecnologia é vista como positiva, o que não
tira a necessidade de se cumprir as etapas de desenvolvimento que garantam
segurança da população, como lembrou o gestor em Saúde da Fundação Getúlio
Vargas, Adriano Massuda. “Vejo com muito ceticismo, da mesma forma que lidamos
com ceticismo sobre a questão da cloroquina. O ‘pode ser que’ não adianta, é
preciso comprovar. Enquanto não se tem uma vacina segura, disponível para toda
população, o anúncio precoce é negativo porque causa mais confusão para a
população. Por conta disso, é fundamental que as pessoas reforcem os cuidados”,
destacou.
A
corrida pela imunização
Vacina
Oxford-AstraZeneca
Em
testes no Brasil, a vacina contra a covid-19 que a universidade e a
farmacêutica inglesas estão desenvolvendo tem liberação da Anvisa para a
administração de uma dose de reforço para os voluntários do estudo. É
considerada uma das mais avançadas para combater o novo vírus.
Vacina
Sinovac
No
início deste mês, o medicamento desenvolvido pela farmacêutica chinesa começou
a ser testada no Distrito Federal. As doses aplicadas fazem parte da fase 3 da
pesquisa, o que significa que o produto é seguro e eficaz. A vacina está sendo
desenvolvida em conjunto com o Instituto Butantan, de São Paulo, e usa o vírus
inativo.
Vacina
Sinopharm
O
Grupo Nacional Farmacêutico da China também busca um agente contra a covid-19.
A vacina está passando por testes clínicos e a estimativa é que durem três
meses, de acordo com o que o presidente da Sinopharm, Liu Jingzhen, em
entrevista à televisão estatal chinesa CCTV. O diretor executivo da Organização
Mundial da Saúde (OMS), Michael Ryan, duvidou que fique pronta em tão pouco
tempo.
Vacina
Biontech-Pfizer
O
resultado da parceria germano-americana é considerado em estágio avançado e
começou a fazer testes clínicos, em grande escala, no final de julho. As
empresas desenvolveram a vacina chamada BNT162, da Biontech, baseada em mRNA
para prevenção da doença.
Vacina
Moderna Inc.
No
final de julho, o laboratório Moderna Inc. afirmou que iniciou o estágio final
dos testes da vacina em uma candidata. De acordo com a empresa americana, a
expectativa é que sejam fornecidas cerca de 500 milhões de doses por ano a
partir de 2021. Recebe apoio financeiro do governo dos EUA, que destinou quase
US$ 1 bilhão para o projeto.
Vacina
Cansino Biologics
Também
em estágio avançado, o projeto se mostrou seguro e produziu resposta
imunológica, de acordo com a publicação da revista científica The Lancet. É
baseada em um adenavírus modificado, sendo mais segura para pessoas mais
frágeis, para o vírus não se reproduzir.
Frente
repudia relatório
Após
o Palácio do Planalto divulgar um relatório associando a quantidade de mortes e
de casos de covid-19 aos nomes de governadores e prefeitos, a Frente Nacional
de Prefeitos (FNP) repudiou, ontem, a postura do governo federal. Para a
entidade, os dados coletados promovem “um confronto federativo”.
“O
documento preparado pelo Palácio do Planalto e enviado a parlamentares, com
nomes de governantes de cidades que mais têm casos de covid-19, tem o objetivo
de imputar responsabilidades, evidenciando o ânimo de apontar culpados”,
criticou a FNP, por nota.
A
frente entende que, desde o início da pandemia, os gestores locais têm atuado
para garantir o cuidado com a saúde das pessoas, com a solicitação do apoio da
União para distribuição de medicamentos e equipamentos. No entanto, diz que o
governo federal “tem se esquivado das responsabilidades”.
A
postura promovida pelo Planalto, segundo o texto da FNP, “além de não promover
a harmonia federativa, como previsto Constituição Federal, atrapalha medidas
implementadas por prefeitos e governadores para salvar vidas”, acusa,
ressaltando que ações coordenadas são as mais eficientes para lidar com a
doença.
Listagem
O
documento produzido pela Secretaria Especial de Assuntos Federativos (Seaf) usa
como base os números da pandemia, divulgados pelo Ministério da Saúde, sábado,
quando o Brasil ultrapassou a marca de 100 mil mortos, para vincular os dados a
nomes de governadores e prefeitos. Em um dos tópicos do relatório, o governo
apresenta o Top 5 de estados que mais registraram casos novos naquele dia. O
governador de São Paulo, João Doria, aparece em primeiro, com 13.352 novos
diagnósticos da covid-19. Na sequência vêm dos do Rio Grande do Sul, Eduardo
Leite, com 4.569; da Bahia, Rui Costa, com 3.509; de Minas Gerais, Romeu Zema,
com 3.400; e de Santa Catarina, Carlos Moisés, com 3.167.
Em
outro trecho do relatório, há um Top 5 dos estados que tiveram mais mortes e o
cinco primeiros municípios com mais confirmações. Neste ranking, o prefeito de
São Paulo, Bruno Covas, é o primeiro, com 213.507 ocorrências. Brasília aparece
na sequência, com 121.824, mas o documento não incluiu o nome do governador
Ibaneis Rocha.
Desde
o início da pandemia, o presidente Jair Bolsonaro tem criticado os chefes
estaduais e municipais por não concordar com as medidas de isolamento social
adotadas localmente. Em nota enviada à imprensa, a Seaf disse apenas que o
documento tem “o objetivo de monitorar a disseminação da covid-19 nos entes
federativos para auxiliar na articulação do governo federal”.
*Correio
Brasiliense
Quarta-feira,
12 de agosto, 2020 ás 11:00