“Assim
como o ‘partido fardado’ que emergiu das eleições de 2018 na garupa do
presidente Bolsonaro, nada impede que surja um partido togado, ‘lavajatista’,
mirando o pleito de 2022”
Armou-se
em Brasília um cerco à Operação Lava-Jato, cujas forças-tarefas de Curitiba,
Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília estão com os dias contados. As polêmicas
declarações do procurador-geral da República, Augusto Aras, contra a atuação de
seus integrantes foram tão categóricas que não lhe permitem um recuo sem que se
transforme numa espécie de rainha da Inglaterra no Ministério Público Federal
(MPF). Além disso, foram coadjuvadas pela proposta apresentada pelo presidente
do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, de quarentena de oito
anos para magistrados e procuradores ingressarem na política, tema que
prontamente o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), se dispôs a pôr em
pauta no Parlamento.
À
margem da discussão sobre os fundamentos jurídicos e a legitimidade das ações
mais polêmicas da Lava-Jato, é óbvio que o plano de fundo de toda essa
discussão são a liderança e a influência do ex-ministro da Justiça Sergio Moro
junto às forças-tarefas. O ex-juiz de Curitiba se mantém como potencial
candidato a presidente da República, mesmo fora do governo Bolsonaro. Sua
passagem pelo Ministério da Justiça pode ter sido um grande erro do ponto de
vista de sua trajetória como magistrado, se ambicionava uma vaga no Supremo,
mas funcionou como a porta de sua entrada na política, provavelmente sem volta.
A própria crise que o levou a desembarcar do governo Bolsonaro faz parte do
roteiro de quem transita para o mundo da política como ela é. Moro é
candidatíssimo, e a narrativa da Lava-Jato é o leito natural do rio caudaloso
que pode levá-lo à Presidência.
Nesse
aspecto, a proposta do ministro Toffoli, que parece estapafúrdia e foi
desdenhada pelo vice-presidente Hamilton Mourão, mira a candidatura de Moro,
sem dúvida. Não no sentido de tornar inelegível o ex-titular da 13ª Vara
Federal de Curitiba, que condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no
caso do tríplex de Guarujá: qualquer nova lei sobre inelegibilidade para
magistrados e procuradores não pode ter efeito retroativo. Mas existe, sim, um
clima no Congresso para aprovação de uma lei que tire das eleições de 2022
magistrados e procuradores da Lava-Jato que vierem a deixar a carreira para
mergulhar de cabeça na luta política eleitoral.
Assim
como o “partido fardado” que emergiu das eleições de 2018 na garupa do
presidente Jair Bolsonaro, até agora, nada impede que surja um partido togado,
“lavajatista”, na expressão de Augusto Aras, para disputar as eleições de 2022.
Seria o caminho natural a tomar por parte dos procuradores da Lava-Jato, se
forem desmobilizados e marginalizados pelo procurador-geral da República. A
Lava-Jato, mesmo que venha a ser desmantelada pela Procuradoria-Geral e o
Supremo, continuará sendo um divisor de águas na política brasileira, pelo
menos para as atuais gerações. É muito difícil tomar a bandeira da ética das
mãos de seus protagonistas, procuradores e juízes que promoveram o maior
expurgo de políticos enrolados em escândalos de corrupção da vida nacional da
nossa história.
O
presidente Jair Bolsonaro foi eleito num tsunami eleitoral, na qual a Lava-Jato
foi o fator decisivo. Entretanto, o presidente da República tomou outro rumo na
condução de seu governo, desde o rompimento com Moro. Embora não se tenha
registro de nenhum grande escândalo de corrupção na administração federal, a
bandeira da ética se perdeu com o rompimento com Moro e, sobretudo, por causa
do caso Fabrício Queiroz, amigo do presidente da República e ex-assessor do seu
filho mais velho, senador Flávio Bolsonaro (Progressistas-RJ), investigado no
escândalo das rachadinhas da Assembleia Legislativa fluminense. Consciente da
situação, Bolsonaro já opera uma mudança de eixo eleitoral, agora estribado na
força do poder central e nas políticas de transferência de renda, como ficou
evidente, ontem, na viagem ao Piauí, na companhia do senador Ciro Nogueira
(PI), presidente do Progressistas e um dos caciques do Centrão. Por sinal, um
político denunciado pela Lava-Jato.
Um
bom termômetro da força de inércia da questão ética na campanha eleitoral
teremos nas eleições de São Paulo, sobretudo na disputa pela prefeitura da
capital. Embora não esteja envolvido em nenhum escândalo, o prefeito Bruno
Covas, que vem liderando as pesquisas, começa a ter que pôr no seu planejamento
para gestão de crises os efeitos da Lava-Jato na disputa da Prefeitura de São
Paulo, em razão das denúncias contra o senador José Serra (PSDB-SP) e o
ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), fundadores e principais líderes da
legenda no estado. Alvo de operações recentes, os dois estão sendo investigados
por lavagem de dinheiro e uso de caixa dois eleitoral, o que tem um efeito
deletério para a candidatura à reeleição do prefeito paulistano.
Extrapolando
as eleições municipais — o que as urnas podem confirmar ou não —, é muito provável
que o desgaste sofrido pelo PSDB, por causa desses escândalos, venha a criar
dificuldades para o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), viabilizar sua
candidatura a presidente da República. Conspiram contra esse projeto a
recuperação de imagem do presidente Bolsonaro e a resiliência eleitoral do PT,
o que pode levar Doria à opção pela reeleição, ou seja, é melhor um Palácio dos
Bandeirantes nas mãos do que os do Planalto e da Alvorada nos sonhos.
*Correio
Brasiliense
Sexta-feira,
31 de julho, 2020 ás 12:00